ISBN 978-65-86805-09-3
Disponível para leitura on-line e download.
Conversas sobre as coisas que leio, ouço, vejo e quero compartilhar. Um arquivo de textos jornalísticos e críticos e imagens...fragmentos de ideias, imagens e pensamentos sobre as coisas pelas quais me interesso: arquitetura, artes, cidades, cinema, design, filosofia, fotografia, literatura, memória, moda, música... Peço que, ao mencionarem ou reproduzirem o conteúdo deste blog, deem os créditos, especialmente das fontes originais (Mário Santiago)
Outono triste em cárcere
"Há dias, passava pela marginal um homem de braços estendidos no ar como os fantasmas. Dizia que era os mortos da pandemia. Não apenas um morto, mas os mortos todos, como uma representação simbólica das mais de um milhão e duzentas mil pessoas que sucumbiram no mundo inteiro. Quem passava na marginal ouvia aquela declaração louca e não sorria. Lembro o que comentava uma amiga psicóloga há umas semanas, que esgotou no mercado um calmante muito popular, o Victan, e que os níveis de ansiedade estão altíssimos, é possível que muita gente já vá descontrolada pela casa. Muita gente vai sair descontrolada à rua."
(Trecho da crônica de Valter Hugo Mãe, originalmente publicada em Outras palavras, com uma igualmente bela imagem de William Turner)
Leitura altamente recomendável.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2021/12/16/%E2%80%98Caminhar%E2%80%99-o-elemento-filos%C3%B3fico-por-tr%C3%A1s-da-atividade
Pele negra, máscaras brancas
Maio de 1962
"Eu descobri você, Carolina, no ônibus.Levo 25 minutos para ir até meu emprego. Penso que não tem a menor serventia ficar se perdendo em devaneios no trajeto para o trabalho. Toda semana me dou ao luxo de comprar a revista Paris Match; atualmente, ela fala muito dos negros. Foi assim que conheci a sublime sra. Houphouët com seu vestido de gala. Eu não iria lhe dedicar as minhas palavras, ela não as teria compreendido. Mas você, Carolina, que procura tábuas para o seu barraco, você, com suas crianças aos berros, está mais perto de mim. Volto para casa esgotada. Acendo a luz, as crianças estudam, do jeito como se faz hoje em dia. Elas não têm muitos deveres de casa, seria cansativo demais, mas me contam o enredo, detalhe por detalhe, da última história em quadrinhos que foi lida na escola. Carolina, você nunca vai me ler; eu jamais terei tempo de ler você, vivo correndo, como todas as donas de casa atoladas em serviço, leio livros condensados, tudo muda rápido demais ao meu redor. Para escrever alguma coisa, preciso esconder meu lápis, senão as crianças somem com ele e com meus cadernos. Há noites em que os encontro bem no finalzinho. Já o meu marido me acha ridícula por perder tempo escrevendo bobagens; por isso, esconde cuidadosamente a caneta dele. Como você conseguia segurar um lápis com a criançada à sua volta? Para os meus filhos, sumir com um lápis é normal, sempre tem o da mãe ao alcance. Somente uma coisa os faz parar: quando digo que temos em casa apenas o dinheiro do pão, eles evitam, por um breve período, perder seus materiais. É sempre a mesma coisa, não importa o que estejam fazendo. Só me resta esperar para ver quem aparecerá primeiro com os sapatos furados depois de jogar futebol. Meu marido diz: “O importante é o pão de cada dia, o resto a gente dá um jeito.” Acho, Carolina, que você conhece essas palavras. Na favela, você nunca foi capaz de pensar em nada além do pão de cada dia. Penso que é isso que me aproxima de você, Carolina Maria de Jesus. Eu também me chamo Marie, como você, e Marcelle, como Pagnol. Moro muito perto do povoado dele, nunca o li, mas o escutei no rádio com paixão. Também me chamo Françoise e, por fim, Vittalline, como ninguém mais. Não canso de me perguntar onde meus pais encontraram um nome desses. […]"
"Françoise Marcelle Ega nasceu em Morne-Rouge, na Martinica, em 11 de novembro de 1920, e mudou-se para a França durante a Segunda Guerra. Em 1946, casou-se com o soldado Frantz Ega, com quem teve cinco filhos. Em Marselha, onde viveu o casal, ela precisou trabalhar como faxineira e costureira, embora tivesse o ensino médio completo e um diploma de escola técnica. Em 1966, publicou seu primeiro livro, Le Temps des Madras, sobre sua infância na Martinica. Foi por meio de uma reportagem na revista Paris Match, em 1962, que tomou conhecimento de Carolina Maria de Jesus, a autora de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. A escritora brasileira é a “destinatária” dos textos autobiográficos do livro Cartas a uma Negra, publicado dois anos após a morte de Ega, em 7 de março de 1976."
Matéria muito boa publicada na Revista Piauí, ed. 173. Um livro imprescindível!
"E por isso mesmo, nunca haverá uma paz conquistada através da guerra que possa ser equânime, porque toda paz será sempre injusta do ponto de vista dos derrotados. Por isso, concluímos nossos dois livros com uma tese que não é nem realista nem idealista, é simplesmente dialética: ´a paz é quase sempre um período de ‘trégua’ que dura o tempo imposto pela ‘compulsão expansiva’ dos ganhadores, e pela necessidade de ‘revanche’ dos derrotados. Por isso se pode dizer que toda paz está sempre ‘grávida’ de uma nova guerra. Apesar disto, a ‘paz’ mantém-se como um desejo de todos os homens, e aparece no plano da sua consciência individual e social como uma obrigação moral, um imperativo político, e uma utopia ética quase universal. Por isso, a guerra e a paz devem ser vistas e analisadas como dimensões inseparáveis de um mesmo processo, contraditório e permanente de busca dos homens, por uma transcendência moral muito difícil de ser alcançada´” (Trecho do interessantíssimo artigo encontrado no site A terra é redonda).
"A repórter gaúcha percorre desde a floresta Amazônica as periferias da grande São Paulo, para contar a história de gente que passa despercebida. Ao final de cada reportagem, a autora descreve como foi o processo de produção, bem como, suas experiências ao adentrar ambientes que fogem do seu cotidiano. A reportagem que abre o livro é “a floresta das parteiras”. A narrativa descreve a vida de parteiras amazonenses, também conhecidas como “pegadoras de menino”. Com períodos curtos, mas profundos, Eliane elucida como aquelas mulheres apesar de analfabetas fazem poesia com os lábios."
(Trecho da resenha de Talyta Brito para o livro O olho da rua, da jornalista e escritora e jornalista Eliane Brum. Um livro indispensável! Especialmente recomendável a "reportagem" intitulada "A floresta das parteiras".)
"No puedo amar a mi propio siglo más que al precedente, pero crear otro siglo diferente al mío tampoco puedo: lo creado no se puede crear y se crea únicamente hacia el futuro."
(Trecho do livro intitulado El poeta y el tiempo, da poeta russa Marina Tsvietáieva [1892-1941]. Publicação a partir do site Calle del orco).
"Por el gusto de escribir algo: después de muchos día de silencio escritural me ha asaltado en el baño, mientras me lavaba las manos, antes de irme a acostar, el deseo de estar, a la luz de a lámpara, escribiendo. Deseo de escribir; no de decir algo. Pero deseo, también, de escribir en tanto que escritor: sin que ninguna razón, como no sea el deseo de estar a la luz de la lámpara, escribiendo, haya motivado mi acto. Mecerme en el equilibrio infrecuente y perecedero de la mano que va deslizándose de izquierda a derecha, oyendo los rasguidos de la pluma sobre la hoja del cuaderno, victorioso por haber comprendido por fin que el deseo de escribir es un estado independiente de toda razón y de todo saber, liberado de toda exigencia de estructura, de estilo o de calidad, y lleno del silencioso clamor de las palabras que no son de nadie, que nadie puede acumular ni guardar para sí –la voz del mundo y de cada uno que resuena a través de mí en la noche apacible–. Cada vez que este deseo me viene, trae consigo la validez del universo entero y la de esa partícula sin nombre del universo que soy yo mismo" (Juan José Saer/Papeles de trabajo/Borradores inéditos/Editorial: Seix Barral)
Recebi esta imagem ontem, postada por Gabriella Truzzi em um grupo de amigos no Facebook. Sua autora é a artista britânica Jenny Saville...