Pelo prazer de ler e compartilhar este texto, muito bem escrito, de autoria da editora, escritora, jornalista e tradutora, Rosa Freire d´Aguiar, publicado neste domingo no seu perfil no Facebook.
"Foi um choque, um tiro de canhão, uma declaração de guerra -- as metáforas eram muitas para o que aconteceu há exatamente um ano na França. Dia 14 de março de 2020 foi um sábado. Ligo às 20h o jornal da tv e lá está o primeiro-ministro de cara fechada, quase trágica. Ele anuncia: ´Hoje, à meia-noite em ponto, todos os lugares que recebem público e não são indispensáveis à vida do país deverão fechar as portas. É urgente´.
Urgente foi pouco! Das oito até meia-noite, os 60 mil bares e restaurantes da França tiveram de fechar, e também as boates, os cinemas, os teatros. Quatro horas para dar cabo da comida que esperavam servir até de madrugada em jantares e esticadas -- foi um tal de distribuir bandejas de ostras fresquinhas aos passantes!! -- esvaziar o freezer com o que estragava, rever os estoques, empilhar cadeiras, guardar tudo. Sabia-se lá até quando. Até nova ordem, diziam na tv.
Em casa, eu esperava amigos para jantar, comeríamos bem mais tarde. Pois sim! Planos desfeitos. Eles não teriam como voltar para casa. Melhor nem arriscar a vinda.
Na segunda-feira, dia 16, veio o mais drástico: o discurso de Macron, para anunciar que o país ia entrar em guerra contra o coronavírus (ainda não se dizia covid-19) e que ia começar o primeiro e mais estrito confinamento do país. E que durou mais e dois meses. Com as ruas às moscas, ou melhor, aos patinhos, às gralhas, aos javalis, às cabras: com o confinamento dos humanos, a bicharada saiu para dar uma voltinha. Casamentos foram adiados, alguns para sempre, todas as igrejas, sinagogas, mesquitas fecharam. Quem podia (e também quem não podia), passou a trabalhar em casa. Do jardim de infância às universidades, a poderosa máquina educacional francesa parou de funcionar. E foram chegando os grandes recursos sanitários, máscaras, luvas, álcool gel. Com eles, os grandes recursos financeiros. Não havia dia que não se anunciasse um novo plano emergencial, uma nova ajuda a quem ia ficar sem trabalhar, era bilhão de euros pra cá e para lá. Algo como 300 bi de euros, repassados por um governo de direita mas que implantou um programa de socorro digno da social-democracia de seus primórdios.
No dia seguinte do discurso de Macron, dia 17 ao meio-dia, a França parou. Pela primeira vez.
Há exatamente um ano, naquele 14 de março, houve 13 mortes e 838 casos confirmados de covid. O balanço desde os primeiros casos surgidos semanas antes era de 4500 casos, sendo 91 mortais. Hoje, um ano depois, há 20 mil pessoas em hospitais se tratando de covid -- total em baixa desde a semana passada -- e 4100 em UTI's -- total em alta. De ontem para hoje morreram 140 pessoas. Mas em um ano, foram mais de 90 mil franceses. A campanha de vacinação segue em ritmo lento, embora 8 por cento da população já tenha sido vacinada.
Como diz a brilhante escritora Maria Valeria Rezende, a gente não sabe se o tempo, nesse ano, parou ou disparou."
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