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27.5.21

Cartas esparsas

Inicio aqui alguns posts que realizarei a partir, entre outros, do magnífico acervo de cartas do Instituto Moreira Salles, Correio IMS. Quanta história pode ser lida através da correspondência dos escritores... No próximo dia 28 de maio/2021, comentarei alguns desses belos documentos no programa do jornalista e amigo Vinícius Cabral no Facebook e You Tube.

“Cada um tem suas razões: para este, a arte é uma fuga; para aquele, uma maneira de conquistar. Mas pode-se fugir para um claustro, para a loucura, para a morte; pode-se conquistar pelas armas. Por que justamente escrever, empreender por escrito suas evasões e suas conquistas? É que existe, por trás dos diversos desígnios dos autores, uma escolha mais profunda e mais imediata, que é comum a todos. Tentaremos elucidar essa escolha e veremos se não é em nome da própria opção de escrever que se deve exigir o engajamento dos escritores.” (Jean-Paul Sarte, O que é a literatura?, Ática, 2004)

Do exílio, Augusto Boal escreve para os seus "caros amigos"

Carta de Augusto Boal para Chico Buarque

"Chico,

Ando nervoso, ansioso, querendo que esse julgamento recomece de uma vez,querendo ganhar de goleada, 10 x 2, mas aceitando um 7 x 6 e não querendo nempensar no contrário. Fico com os olhos grudados no telefone esperando um chamadode Brasília gritando “Ganhamos!”. Vai ser hoje, amanhã, quando? Vamos ver..." (Fragmento de uma carta. Buenos Aires, 3 Mai. 1976) 


Meus caros amigos - Augusto Boal - Cartas do exílio

Chico Buarque (1975)

Fernanda Montenegro (1984)

 

Carta de Ana Cristina Cesar para Caio Fernando Abreu


"Te escrevo, Caio querido, com teu telefonema ainda quente, deixo Proust de lado e a burocracia editorial da lista de nomes e endereços e ceps, que me consola como um álbum de figurinhas. Ando gemebunda. Aguardo bem o livro mas com aflição do número imprensa e dos falsos elogios dos amigos. Lançamento vai ser num lugar ideal, o que para mim significa: a dois metros de casa, nem saio da Baixa Gávea. Detestei fazer a tal biografia, redigi durante dias tentando não fazer número nenhum,atingir uma espécie de grau zero qualquer. Vã. Tomo decisões que não sei se cumpro:levantar cedo, fazer exercícios na praia; ler os clássicos; arrumar a casa. Tudo bem ao chão porque disseram que sou toda ar com o trio gêmeos/leão/libra (por ato falho escrevi “virgo”). Fiz o mapa. Lê pra mim? O astrólogo achei vago, geral demais, muito do perguntador, o que tirava o charme dos adivinhadores e fazia dele, embora americano tranquilo, um sacador de pistas que eu mesma dava. E tudo tão caro! Olha, meu corpo todo dói...". (Fragmento de uma carta - Rio de Janeiro 17 Nov. 1982)

 


   Foto: Centro Cultural Delfos

Cartas matam saudade de Ana Cristina Cesar
"Nas cartas, escritas a quatro amigas, três ex-professoras -Clara Alvim, Heloisa Buarque de Hollanda e Maria Cecilia Londres Fonseca- e uma colega de faculdade -Ana Candida Perez-, o que Ana C. faz não é dar respostas a seu ato, mas matar nos leitores a saudade de sua escrita."

    



Carta ao amigo, escritor e jornalista
João Silvério Trevisan

"Porto, 20. 11. 77 — domingo de sol

João Silvério, meu querido amigo:
recebi tua carta na semana passada. Eu fiquei contente/triste: contente porque a sua insegurança a respeito do meu querer-bem por você prova que o seu querer-bem por mim é verdadeiro; triste porque, nas entrelinhas, parece que você me supõe uma pessoa metida até os cabelos em badalações sociais e literárias. Respondi imediatamente. Só que não enviei a carta, como de outras vezes. Aliás, já te escrevi inúmeras vezes — mas nunca enviei. Faço isso muitas vezes (ninguém tem tantas cartas não-enviadas na gaveta como eu) —, às vezes por autocrítica exagerada, insegurança, falta de tempo, sei lá. O problema é que você nem chega a saber disso, então fica imaginando coisas..." (in Cartas, Org. Italo Moriconi, Aeroplano, 2002)

"Muitas cidades testemunharam a breve vida de Caio Fernando Abreu, morto em 1996, aos 48 anos. São Paulo, Santiago, Amsterdã, Berlim, Colônia, Porto Alegre, Paris e Londres são revisitadas no documentário “Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes”, um roadmovie poético e afetivo que refaz o percurso do cultuado escritor. O filme, de Bruno Polidoro e Cacá Nazário, será exibido no Curta!.

Considerado um dos maiores contistas do Brasil, Caio abordou temas como solidão, medo, a certeza da morte, o sexo e a atmosfera política (ele mesmo foi perseguido durante a ditadura militar). Autor das obras-primas “Os Dragões Não Conhecem o Paraíso” e “Morangos Mofados”, ele se tornou amigo de importantes figuras do meio cultural. São justamente a memória e a literatura que conectam as amizades pelas diferentes partes do mundo onde Caio esteve. Espalhados por aquelas cidades, seus amigos — como Maria Adelaide Amaral, Luciano Alabarse, Grace Gianoukas e Adriana Calcanhotto — recorrem à sua obra e interpretam seus textos para, assim, celebrarem a existência do escritor." (Trecho da nota  publicada no jornal SP Norte)



"Carolina, bom dia!
Dia de sol nesse inverno de pandemia em São Paulo. Como você está? Espero que esteja em paz. Do lado de cá, temos feito a travessia no barco da coragem, como a vida exige.
Te escrevo da varanda da d. Ruth, ela foi passar dois dias no sítio em Parelheiros,enquanto eu limpo a casa, centímetro por centímetro, como ela recomendou. Ela foge das notícias de morte, não quer saber sobre os cinco corpos enterrados numa mesma vala, dos coveiros que trabalham tanto que não têm tempo para ter medo de contaminação pelo vírus silencioso e aniquilador. D. Ruth tem necessidade de paz para escrever. Você deve estar surpresa, mas a verdade é que precisei voltar ao trabalho doméstico. Esse mundo que se dilui no numerário das notícias desaba sobre minha cabeça e eu luto para respirar.
Consegui terminar a universidade em 2016, financiada por aquele programa do governo, dei aulas como professora eventual, mas mantinha algumas faxinas porque o salário miserável só era pago quatro meses depois da assinatura do contrato e,quando regularizou, fizemos greve por melhores condições de trabalho e os salários foram cortados. Eu ainda não consegui passar em concurso, não tenho tempo nem cabeça para estudar e, no tempo que tenho, trabalho para pagar os boletos e mandar o dinheiro das meninas. Agora, na pandemia, não tenho mais aulas, interromperam o contrato, trabalho três dias fixos aqui e atendo mais três casas de vez em quando." (Fragmento da carta "simbólica". São Paulo 8 Jul. 2020)
Sobre a escritora Cidinha da Silva

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